Há temas que habitam a minha mente de forma silenciosa, mas distinta. Como pequenas ribeiras numa aldeia distante, onde há pontes de madeira já gastas pelo tempo, vegetação que muda com o meu estado de espírito, caminhos que se cruzam e me levam, a cada visita, a um destino diferente. É uma paisagem que reconheço, mas que se transforma sempre que regresso.
Nos últimos tempos tenho passeado por uma destas paisagens, em busca de novas respostas, ou questões que me ajudem a tomar uma decisão, a ser mais franca e honesta no que toca às relações que pautam a minha vida: quais quero manter e reconstruir, quais quero largar, mas acima de tudo, compreender como é que certas narrativas, que decorrem em paralelo, nos iludem com a ideia de que podemos realmente continuar de forma isolada, alheios ao valor que uma amizade pode ter nas nossas vidas.
The friendship recession. Mesmo que não estejam a par, reconhecerão o ponto deste vídeo que partilhei na maybe not passada, e que volto a recuperar. É um assunto no qual tenho pensado cada vez mais, não só porque as amizades são, para mim, coisas sagradas, mas também por saber que são vitais para atingir o equilíbrio emocional que me permite navegar pelo mundo de forma mais feliz, ou esperançosa. A expressão “friendship recession” foi cunhada por Daniel Cox, para descrever o aumento de um número significativo de pessoas que têm cada vez menos amigos, pessoas a quem possam recorrer em tempos de maior necessidade. Ao contrário do que acontecia no passado, quando temos um problema por resolver, é mais provável que procuremos ajuda junto da família do que dos nossos amigos.
A verdade é que as pessoas estão a passar cada vez menos tempo juntas. Esta tendência deve-se, não só à proliferação dos mass media, como também à ubiquidade dos smartphones e, mais recentemente, ao surgimento de uma pandemia. Tento não dar muita atenção aos artigos e notícias sobre este assunto, que o fazem num tom mais dramático e distópico, mas vejo-me em dificuldade para argumentar contra a minha própria experiência e contra todas as outras estatísticas.
De acordo com estudos recentes, ter amigos é essencial para uma vida saudável, isto é, são tão importantes para o nosso bem-estar como uma boa noite de sono, ou 30 minutos de exercício físico. Alguns estudos indicam ainda que estarmos sem amigos próximos é tão mau para a nossa saúde como fumar 15 cigarros por dia. No fundo, ter amigos é importante. Esta afirmação parece ser tão óbvia que se torna ridícula. O meu problema não está tanto na interpretação que fazemos das coisas, mas na forma como a sociedade nos ensina a lidar com este tipo de informação e a rejeitá-la.
A psicóloga, Marisa G Franco, e autora de Platonic explica que o problema pelo qual estamos atualmente a passar pode ser melhor descrito como ‘learned loneliness’ , onde nos ajustámos a um estado de isolamento. Não é que tenhamos deixado de socializar, mas aprendemos a viver com uma necessidade por preencher, ou a estarmos mais sozinhos. E ainda que julguemos que nos habituámos a socializar menos, isso não é verdade; quanto mais tempo levarmos a convencer o mundo de que não precisamos de amigos, mais complicado será ter coragem para reconstruir, ou criar novas amizades.
For example, one symptom of loneliness is that you’re in a bad mood for [what you believe is] no reason [when really, a lack of social interaction is the cause]. … Ironically, loneliness makes us withdraw and perceive other people as threatening. We devalue how important connection is, we choose not to depend on other people, which makes us more lonely. It’s a vicious cycle.
Esta ideia de ‘learned loneliness’ fez-me pensar na forma como temos cada vez mais facilidade em descartar as nossas relações de amizade e consequentemente no tipo de pessoas que precisamos de ter na nossa vida para nos voltarmos a reajustar a parâmetros sociais mais saudáveis.
Dizer isto não é dizer obviamente que precisamos de ter muitos amigos, aliás, isso seria apenas uma distração, até porque a quantidade está normalmente associada a uma menor capacidade para estar realmente presente para todas as pessoas que estão na nossa vida; aquilo a que me refiro é apenas o aprender a filtrar, pesar as nossas relações e identificar as pessoas que nos fazem sentir bem, até reaprendermos a sair de um modo de maior isolamento.
É que eu posso nunca ter cortado relações com os meus amigos, mas dou por mim a sentir o peso de ignorar algumas mensagens que sei que tenho de enviar. Dou por mim a sentir que há coisas que tenho por dizer, com medo do resultado dessa franqueza. Neste processo, é sempre mais fácil isolar-me e distanciar-me das pessoas que confrontá-las com a minha insatisfação, desilusão, emoções e animosidade. A verdade é que é sempre mais fácil ficar no meu canto, não dizer algo que possa magoar o outro, pensar que não me irá compreender, que posso ficar aqui para sempre até que outras pessoas surjam. Curiosamente, acho que esta atitude pode ser mais prejudicial ainda.
O problema de fundo e a ilusão mantém-se - este estado de isolamento que podemos inconscientemente ter adaptado não pode fazer nada para aniquilar o sofrimento pessoal e do outro. Em todo o caso, não temos de ser perfeitos para que as pessoas nos adorem, ou merecedores do carinho que nos dão. E sim, quando as nossas relações são desafiadas pelos traumas, ansiedades e neuroses de cada uma das partes, estarmos sozinhos pode até parecer uma boa idea, mas os nossos relacionamentos além de possivelmente enlouquecedores, irritantes, dolorosos, stressantes e imperfeitos, podem igualmente ser complexos, transformadores, gratificantes e bonitos.
Num cenário ideal, trabalhamos em conjunto para resolvermos estes conflitos e torná-los o menos destrutivos para nós e para os outros, mas o que não podemos fazer é com que os sentimentos desapareçam. Qual seria o propósito?
Já o disse aqui. Nada real pode existir sem atrito. Se vos disseram que uma vida saudável é uma vida sem atrito, então talvez acreditem que uma vida sem contacto, isolada, possa ser a solução para os vossos problemas. O atrito é essencial, mas também é, na maior parte das vezes, doloroso.
Talvez ao acreditarmos que só podemos amar alguém que não nos vai magoar, provocar, dizer, ou fazer a coisa errada, estamos a reforçar, e talvez a projetar, as nossas próprias crenças de que temos de ser perfeitos para sermos amados, mas existe uma boa maneira de rejeitarmos esta ideia: escolhendo amar alguém tão imperfeito quanto nós.
Um dos maiores prazeres em amar é mesmo essa - a sensação de encontrarmos alguém que está igualmente marcado pela vida e, mesmo assim, querer ajudá-lo a melhorar (e, claro, para que essa pessoa faça o mesmo connosco). Crescer ao lado de uma pessoa, amiga, ou amante, sabendo que estaremos lá um para o outro enquanto tomamos forma, mas sem medo sobre o tamanho da cicatriz final é libertador. Espero chegar a um ponto na minha vida em que vou olhar para trás e confirmar todas as minhas cicatrizes, como tatuagens invisíveis ao olho humano, que unem pessoas, fortalecem amizades e criam sentido para lá do que existe.
Quando estamos sozinhos, pelo contrário, não há ninguém para magoar, achamos nós. Não há ninguém para identificar as nossas falhas, para nos confrontar com os nossos comportamentos, com as nossas explosões emocionais e incontroláveis. E se nos fechássemos num quarto e vivêssemos uma vida de otimização impessoal e indiferente, o que restaria?
Suspeito que nada. Nenhum de nós existe sozinho e é uma tragédia pensar que a cultura atual muitas vezes nos tenta convencer que a maneira mais eficaz de crescermos é afastando-nos das pessoas que nos podem amar, que podem cuidar de nós, ou que estão dispostas a sentar-se no mesmo espaço connosco enquanto orientamos a nossa vida e ultrapassamos os nossos medos. É a única maneira pela qual, por exemplo, consegui crescer.
Quando penso nos anos passados, penso nas pessoas que fui guardando ao longo do tempo, aquelas que me ajudaram a ser mais justa, paciente, honesta, despretensiosa. Ao mesmo tempo, estou cada vez mais cansada de ter de criar circunstâncias para existir perto de pessoas que não me dizem nada, mas que estão na minha vida só porque sim.
Especialmente quando somos amigos de alguém durante muito tempo, podemos sentir-nos obrigados a continuar e a manter uma amizade, mesmo que já não estejamos alinhados, que o desconforto seja constante e a falta de coisas em comum também. O que torna tudo ainda mais árduo é que não existe um protocolo que nos diga como terminar uma amizade. Ao contrário de uma relação romântica, a quebra de uma amizade é algo que nunca pensamos que possa acontecer até acontecer. Sempre que tenho incertezas em relação a uma amizade, penso na generalidade de experiências que fui catalogando como amostra dos meus argumentos e juízo:
os meus valores mudaram e sinto que estou a afastar-me gradualmente
deixo de sentir que tenho muitas coisas em comum com a pessoa; é normal que com o tempo a nossa vida se dirija por diferentes caminhos: algumas amizades sobrevivem a esta mudança de direção, outras não.
ser a única a fazer um esforço para estar numa relação
deveria ser óbvio que estar numa relação implique reciprocidade, caso contrário não há amizade que sobreviva. sempre que esse esforço é repetido, sem pouca ou nenhuma iniciativa da outra parte, a amizade começa a parecer desequilibrada. por esta altura já sei que com o tempo começo a guardar algum ressentimento, portanto, mais vale repensar a dinâmica e a pessoa em questão.
sentir-me esgotada depois de estar com a pessoa
seja em grupo, ou só com essa pessoa, que razões estão por detrás de um sentimento de aborrecimento, cansaço e desgaste para com aquela relação?
perguntar o porquê de ainda manter uma amizade e não obter resposta
não sei se já o fizeram, mas ajuda bastante rastrear o propósito (ou a falta dele) nas nossas relações, até porque sem propósito é como se estivéssemos desconectados dessa pessoa, ou obrigados a estar no mesmo espaço que ela. not a good sign!
respeitar os meus limites, ou os limites daqueles que mais adoro
nunca tinha pensado muito nisto, mas recentemente aconteceu e marcou-me; prestem atenção ao que acontece quando demonstram alguma preferência ou impõe algum limite (não beber álcool, ter uma ideia oposta à vossa): a pessoa tenta convencer-vos do contrário, ou desrespeita por completo a vossa escolha, subtilmente menosprezando-a? não gosto de sentir falta de sensibilidade por parte dos meus amigos, sempre que o testemunho fico com menos vontade de os voltar a ver.
quando a pessoa muda quando está em grupo
outra das coisas que me apercebi que ainda acontece com alguns dos meus amigos; e sim, eu sei que é normal mudarmos um pouco e ajustarmos a dinâmica em diferentes contextos e grupos, mas quando as atitudes são tão claramente opostas e desproporcionais, torna-se irritante e não só: começo a sentir-me enganada com a necessidade que as pessoas têm de mudar o registo para gáudio coletivo. estou a aprender a lidar com isso e com a minha eventual mudança em grupo, que também acontece.
ter uma amizade onde há muita competitividade
já passei por isto e foi um carousel de emoções, um tanto ou quanto tóxica. ao mesmo tempo penso nas minhas amizades atuais e sinto que há pessoas que se importam muito com o mundo material, mesmo que o digam que não, ou seja, além de cínicos, é como se tivessem uma perspetiva um pouco mais elitista, ou meramente exibicionista do estatuto social que pretendem alcançar. não sei se me faço entender, mas reparei que nesses momentos não me sinto tão bem, até porque estas questões pouco ou nada me interessam quando estou com amigos e na generalidade da minha vida; tenho cada vez menos paciência para pessoas que ainda se apoiam na aparência das coisas e deixam de se conseguir aproximar com a honestidade necessária para a amizade crescer. é uma pena.
estar disponível para ajudar quando preciso
são os chamados momentos de diagnóstico de amizade: são os momentos nos quais nos importamos de forma desproporcional em relação à forma como olhamos para uma amizade (sejam momentos que ficaram por assinalar, ou momentos em que não estamos tão bem e precisamos de apoio). Quando alguém não está presente nesses momentos, isso vai ter impacto de forma desproporcional no nosso desejo em ficar nessa relação.
O meu ponto é o seguinte. É importante sabermos que há pessoas com as quais podemos contar, que têm o mesmo entendimento que nós, com as quais nos sentimos bem e conseguimos falar sem implicâncias infantis. Somos adultos, como tal devemos ser capazes de preservar a ingenuidade necessária para aceitar os outros como são, ao mesmo tempo em que crescemos a par com a vida em conjunto.
Se pensar bem, as relações mais fortes que tenho na minha vida foram aquelas que me levaram a confrontar com as situações mais difíceis, que me fizeram crescer e mudar, transformar.
Experienciarmos momentos de fracasso, crescimento e redenção por nós mesmos tem um sabor difícil, mas também é um processo facilitado se escolhermos recolher para um estado de isolamento, já que este não exige muito de nós. As pessoas, por outro lado, desafiam-nos. Inundam as nossas vidas. Preenchem os nossos dias. Podemos realmente magoar um amigo ou perdê-lo para sempre se recusarmos ser vulneráveis, ou rejeitarmos crescer e vice-versa. Sei disso porque o testemunhei, mas continuo a guardar uma esperança secreta no ressurgimento de uma nova faísca.
Existimos para nos salvarmos uns aos outros.
Não sei, mas acho mesmo que o nosso processo de crescimento pessoal não tem de ser feito assentido ao zeitgeist social, não tem de ser um trabalho de escritório, não tem de ser um trabalho de casa, muito menos uma tarefa por riscar numa to do list. Não precisamos de olhar para as nossas falhas como objetos de valor que devem ser sistematicamente direcionados, ajustados e eliminados para recebermos algum retorno sobre o investimento nas nossas relações. Não há ninguém responsável por medir as nossas falhas; não podemos ser punidos quando falharmos. Devemos sim, olhar à nossa volta e descobrir quem são afinal as pessoas que queremos por perto, que respeitam as nossas imperfeições e nos confrontam, que nos ajudam a ser melhores, mais sinceros, próximos e humanos.
O nosso trabalho não é fecharmo-nos para o mundo e esculpir uma estátua à nossa imagem na escuridão até nos sentirmos valiosos o suficiente e dignos de ver a luz do dia. O nosso trabalho é, na verdade, encontrar pessoas que nos amam por razões que muitas vezes não entendemos, amá-las de volta e tentar ao máximo tornar a vida mais fácil, uns para os outros.
Não é uma tarefa simples, antes pelo contrário, pode ser doloroso, exaustivo e fundamentalmente aterrorizador expormos as nossas fragilidades e deixá-las à mercê das pessoas que escolhemos amar, mas se há alguma coisa que eu sei é isto: é melhor andar de braço dado com amigos na escuridão que caminhar sozinha em direção a uma floresta iluminada.
O nosso trabalho é desafiar as estatísticas, é desaprender a viver em mini doses de isolamento. Se o conseguiremos fazer? Não sei, mas ouvi dizer que com amigos tudo fica mais fácil.
O que fazer com tofu? O canal que mais sigo para inspiração de receitas vegan. Acho que é uma das recomendações que mais faço!
Vestígios de um almoço ao sol.
Este texto no The Paris Review, My Ugly Bathroom. “My bathroom is ugly. My bathroom is so ugly that when I tell people my bathroom is ugly and they say it can’t be that ugly I always like to show it to them. Then they come into my bathroom and they are like, Holy shit. This bathroom is so ugly. And I say, I know, I told you.”
O André pôs-me a ouvir isto.
Pus o André a ouvir isto.
Caminhadas com amigos durante a semana que me sabem tão, mas tão bem.
No final de fevereiro pus na cabeça que tinha de ir para um ginásio. Passado uns dias, por força da minha determinação e amor ao dinheiro, chego à conclusão que consigo fazer exercício em casa, como sempre fiz. Regresso a este challenge que fiz na altura da pandemia e que parece ter um feitiço sobre mim desde então. Não vos sei explicar, mas eu só faço este set de vídeos, apesar de saber que deveria mudar. Não consigo. Já sei as músicas todas de cor, os momentos em que tenho de mudar, tudo. Sou perita em mimetismo físico.
Coisas que guardo, mas nunca vou conseguir comprar - parte 10210932104024.
Onde vou parar às tantas da noite. Uhhhh, Frutiger Aero, sounds fresh!
Filme para a analógica, que custou 16,50€. Achei que devia partilhar.
E isto também! Quase mais barato que o rolo da Kodak, graças aos descontos na Wook.
Vemo-nos por aí, amigos!
Obrigada por continuarem a ler a maybe not.
M.