Podia ter pensado mais sobre isto, mas sabem que mais? Vou deixar que a vontade que tenho em partilhar ideias em rabisco sirva o propósito da minha escrita, simultaneamente vigilante e catalisadora do que tenho cá dentro.
Mas por onde começar, o que dizer? Há dias em que o exercício de expiação se torna mais imediato, um impulso em vomitar palavras e atribuir-lhes sentido, flui; há outros em que uma mosca basta para me distrair, uma borbulha na cara, uma conversa passada, a incapacidade que tenho, naquele momento, para me expressar. De qualquer das maneiras, o estado de espírito que tenho encontrado para iniciar mais uma maybe not é o mesmo que uso muitas vezes na minha vida: experimentando, ver no que dá.
Supor que o que estou a escrever é uma mera experiência é retirar-lhe a importância antes sequer dela existir. Ao fazê-lo, a postura que adopto é outra, a confiança também. Retirar o peso da responsabilidade sobre a escrita, ou sobre qualquer outra forma de arte, é uma boa maneira de olhar para o processo de criação e fruição artística.
Um dos livros ao qual retorno muitas vezes é o The Creative Act: A Way of Being. Já vos tinha falado dele nas sugestões da semana, creio. Rick Rubin é conhecido por muitas coisas, por usar óculos de sol em espaços interiores, por parecer um líder espiritual e membro de Slayer, ou de uma outra banda de metal cujo trabalho produziu. Mas o seu currículo de produção não fica só pelo metal e estende-se por vários outros géneros e artistas: Bestie Boys, Red Hot Chili Peppers, Nine Inch Nails, Adele, Wu-Tang Clan - a lista é interminável. Bem, na verdade não é, mas parece.
O seu sucesso resulta da abordagem pouco ortodoxa, ilustrada mais recentemente no clipe viral retirado do programa 60 Minutes no qual confessa “não saber nada sobre música”. E o seu livro é igualmente ortodoxo. Ao invés de escrever sobre a história da sua vida e carreira, decide dedicar-se à criação de um “manifesto filosófico” sobre criatividade, sem sequer mencionar nenhum dos artistas com os quais trabalhou, nem revelar o que se passa dentro do seu estúdio.
Neste livro, Rubin escreve sobre algumas das coisas que me interessam quando penso em criatividade, nomeadamente ao enquadrar a produção artística como um subproduto acidental de um estilo de vida criativo.
Com isto quer dizer que o ato criativo é um processo constante de aprendizagem e exploração das ideias que surgem de momentos de inspiração. Ora, esses momentos estão em todo o lado, em nosso redor, e, segundo Rubin, são muitas vezes ignorados e rejeitados como fonte de imaginação - no fundo, trata-se de cultivar uma consciência onde não somos nós a pensar nas ideias, mas a criar espaço para elas chegarem. Assim, a criatividade não é um processo de criação de arte, é uma forma de estar na vida e qualquer arte que seja produzida é apenas um subproduto.
Num mundo que nos vende de forma quase ininterrupta a otimização, o esforço, a produtividade e o individualismo como receita para o sucesso, felicidade e crescimento emocional/espiritual, escolher olhar para a criatividade enquanto modo de vida e não como um resultado final é um ato de rebeldia, mas também de liberdade.
É um murro na mesa que vem também com a sua dose de dúvida e incerteza.
Até porque o resultado final é normalmente mais concreto, visível e palpável. Pelo contrário, a procura por inspiração e o modo como olhamos para o mundo são exercícios mais difíceis de definir, catalogar, e, por consequência, de atribuir valor.
A dúvida e a incerteza resultam do paradigma atual. Devo manter-me fiel à filosofia de vida criativa, ou devo olhar para o que faço e escrevo como algo passível de ser optimizado e produzido com mais frequência e esforço, no maior número de resultados finais?
Não é fácil decidir dar o murro na mesa até perceber o que nasce da resistência em escrever quando me sinto menos eu.
De todas as vezes em que me recuso a escrever por sentir que estou a forçar ideias apenas porque não “escrevo” há muito tempo, sinto, não só vergonha, mas uma certa irritação. Vergonha, por saber que se levantasse o rabo do sofá e começasse a organizar ideias, conseguiria fazê-lo. Irritação porque o “não escrever há muito tempo” é sinónimo de “não produzir há muito tempo”.
Não há pior sentimento do que começar a olhar para o que faço como uma obrigação, onde tudo o que interessa está no resultado final. Nunca foi esse o meu caso. Quando começo a entrar em diálogos internos sobre o que fazer a conclusão a que chego é quase sempre a mesma.
“O mundo vai continuar, hoje não estou pronta, o que escrever vai ser mais parecido com uma tarefa riscada de uma lista do que com algo realmente sincero que eu queira dizer”.
Então, porquê fazê-lo desta forma?
Pode parecer paradoxal, mas quando queremos desenvolver alguma ideia, passar muito tempo a pensar sobre ela raramente funciona. É muitas vezes mais difícil atingir um objectivo quando apontamos uma mira sobre ele, diz Rubin ao longo do livro. O clichê da ideia que surge espontaneamente durante o banho, depois de pararmos de pensar ativamente sobre ela, existe por uma razão.
O segredo, na medida da sua existência, é aplicarmos persistência ao invés de esforço. É através da prática, da repetição e do hábito que a capacidade para gerar ideias e traduzir sentimentos se desenferruja. Não é sentar-me a escrever uma vez e esforçar-me muito para escrever bem; é tentar criar uma vida em que consiga tornar a escrita num hábito como outro qualquer e não me preocupar com o quão bom está a ser o que estou a escrever de todas as vezes que o faço.
Ultimamente, tenho escrito muitas notas, coisas que não sei se alguma vez partilharei por aqui, mas que me ajudam a exercitar o pensamento, a voltar a uma folha em branco e a escrever de forma mais livre. Estou a fazê-lo agora, a escrever sobre o que sei, da melhor maneira que posso.
Encontrar um meio termo entre os dois exemplos anteriores não é fácil, mas talvez se torne mais claro aos meus olhos através destas palavras. O ato de escrever implica, em si mesmo, um desejo secreto em chegar a algum lado, mas também a uma inquietude que nasce de um vazio por preencher, de uma vontade por criar e imaginar, edificar.
Talvez a resposta resida mesmo aqui.
Sempre que seguimos a nossa intuição estamos, de certa forma, a forçar o caminho do inesperado, a abrir espaço para sentir e agir em conformidade com aquilo que é mais sensível. O resultado pode não ser o que esperávamos, mas se não for, tanto melhor, é sinal de que a criação é um processo em constante mutação, que nunca estará completo, muito menos perfeito. Como nós, aliás.
A construção começa sempre que aceitamos a possibilidade dela não existir.
Por exemplo, o meu propósito inicial era falar-vos sobre o que tenho aprendido de mais valioso em momentos de maior fragilidade. O que leram até agora foi o meu cérebro a divergir por outros caminhos não contemplados para o dia de hoje. E não é especial?
Fiquem bem.
Tenham um ótima semana ❤️
M.
PS. Estou relativamente doente à data em que esta newsletter cai na vossa caixa de correio. Talvez na próxima vos entregue a minha fragilidade emocional e física numa bandeja para refletirmos em conjunto.
O que é que significa quando revelamos a parte mais frágil do nosso ser diante dos outros? O que é que significa estarmos fisicamente doentes, incapacitados e deixarmos que os outros nos vejam assim e nos ajudem?
That’s all for today. See you soon.
A nova música da PinkPantheress. Nostalgia Y2K e uma pequenina alusão ao Breakfast at Tiffany's.
Passar dias com temperaturas acima dos 38 significa ficar estendida na cama por tempo indefinido, meio alucinada, sem saber a quantas ando. Pelo meio consegui ver o filme do Almodóvar, Volver, com a minha irmã. Nunca o tinha visto, gostei muito da história, da fotografia, da caracterização e dinâmica das personagens. Descobri, entretanto, que o local onde foi gravado, a região de La Mancha, foi o sítio onde o realizador nasceu e que influenciou grande parte do enredo, numa homenagem às mulheres que o criaram.
Nos últimos dias não tive apetite, quase tudo me dava náuseas. Por alguma razão, no sábado não parava de pensar em sushi. Eram 16h quando encomendei 18 peças de sushi e acho que nada me soube tão bem na vida, a sério. Estar doente tem destas coisas.
Lembranças que trouxe de Sameice, cedidas pelas avós que dizem sempre “leva, leva, leva filha!”.
Vou ver este filme hoje à tarde, inspirado nas recomendações do Mário Augusto. Conta a história de um polícia, Frank Serpico (interpretado pelo Al Pacino), que, ao contrário de muitos dos seus colegas, se recusa a aceitar a corrupção policial generalizada em que se encontra. Ao fazê-lo, passa a ser visto como inimigo, chegando a colocar a sua própria vida em risco. A história é verídica, estou bastante curiosa.
Uma cover da música “Millionaire”. A Olivia Dean foi uma das artistas que mais gostei de descobrir este ano. Se quiserem conhecer fica também esta entrevista na NME, Get ready for the summer of Olivia Dean e o álbum que já tinha partilhado por aqui.
Taylor Russell in conversation with Lucy Prebble. A entrevista à Taylor Russell na The Face Magazine.
Uma review sobre o novo livro de Marisa Meltzer. “Glossy” is dishy, and I read it in a weekend. Glossier remains almost exactly as Weiss had pitched it: simple products with funny, vivid, sometimes anachronistic names, not marketed to your mom in a department store but to you, online. Its standout products still find their way into my bathroom and beauty bag, but going to Glossier is no longer the cult lifestyle experience Weiss envisioned. It’s just makeup.”
How "ostranenie" can redefine life, art, and business. Não conhecia o termo, mas conhecia obras que expressavam esta mesma estranheza e subversão das coisas ditas normais. “Ostranenie is usually translated as “defamiliarisation.” It’s when you take something that you’re used to and look at it from a completely new angle. You take the old and make it appear new. You look at things as if for the first time. We owe the term to the Russian literary critic, Viktor Shklovsky, who read and admired it in Leo Tolstoy’s books. One of those books, Kholstomer, is a story almost entirely narrated from the perspective of a horse.”
Se tiverem interesse, tenho seguido as semanas da moda através de algumas contas, sendo as minhas favoritas o @hautelemode, @stylenotcom e algumas vezes o @diet_prada.